Por Verônica Fernandes
“O mundo de hoje nos oferece novas possibilidades. Este grande vocabulário humano pode ser enriquecido por elementos que nunca estiveram juntos no passado. Cada raça, cada cultura pode trazer sua própria palavra para uma frase que una a humanidade. Não há nada mais vital para a cultura teatral do mundo do que o trabalho conjunto de artistas de diferentes raças e origens.”
Peter Brook[1]
Como estudante de teatro, uma de minhas grandes inquietações, é a comunicação com a sociedade. De que forma no mundo em que vivo: interligado e ao mesmo tempo individualista, posso me expressar sem ter a sensação de que a minha tentativa é sem sentido ou inútil, como posso ter como meio de expressão artística uma arte que é prioritariamente coletiva num mundo individualista? Durante o percurso deste semestre, tive a oportunidade de entrar em contato com a estética de Kant, e começar a compreender a noção de Belo, e perceber o quanto minha idéia acerca do Sublime era equivocada, essas questões desenrolaram um verdadeiro novelo de idéias e reflexões acerca da arte, me senti impelida a entender aquele com quem eu quero falar. Ao perceber que não basta saber que o homem contemporâneo é individualista, fui em busca de compreender o processo pelo qual estamos passando ao longo deste “grande período histórico”, para tanto, se tornou essencial entender o sistema de comunicação de nosso tempo que está dentro do nosso quarto, a internet e seus reflexos no homem. Continuando o semestre, encontrei os readymades de Duchamp, com seu caráter libertador em torno do pensamento artístico, transpondo os limites da arte. Entrei em contato com o conflituoso Artaud, questionando as formas teatrais, exatamente no que se refere à capacidade ou a incapacidade de se comunicar com a “massa” e entre todas essas questões, a performance já se mostrava a mim como uma linguagem extremamente atual, por suas características conceituais; estreitamento entre arte e vida e uma decorrente interatividade, porém com características individualistas. E é nesse momento que encontro Peter Brook, considerado o maior encenador do século XX, mas que a mim se revelou ainda muito relevante hoje, no século XXI, pois ao ler “O Peixe Dourado”, ensaio que compõe seu livro “A Porta Aberta”, compreendi a comunicação como sendo sim, uma das grandes chaves da expressão teatral. Pelo fato de que, por mais que estejamos vivendo e nos relacionando intermediados pela tecnologia sempre haverá algo que liga as pessoas, é a necessidade do contato humano verdadeiro e no teatro esse contato é a condição para a arte acontecer, no “momento presente” que segundo Peter Brook é um mistério. É como se nesse momento da minha “errância teatral” eu me reencontrasse em Peter Brook, com seu multiculturalismo, completamente de acordo com a realidade de um mundo interligado, procurando se comunicar, na superfície de uma “base comum”. “[...] sentimento que conduz à paixão, paixão que transmite convicção, convicção que é o único instrumento espiritual capaz de fazer os homens se preocuparem uns com os outros.” [2].
Assim, parto da comunicação para tentar percorrer pelo ensaio de Brook, pois além de ser o ponto que converge os meus questionamentos, é também a questão que permeia todo o ensaio, quando fala na rede de pesca e o peixe dourado, ao citar Shakespeare e ao falar sobre o nosso tempo. Na busca pela comunicação, Peter Brook coloca que o “momento presente” compreende uma “experiência coletiva”, e para isso é necessário que haja uma “base comum” para que cada indivíduo na platéia possa compartilhar essa experiência que se dá em diversos níveis de compreensão. Refletindo sobre a experiência coletiva, percebo que o termo multiculturalismo termina por reunir em seu conceito, os sentidos de: momento, coletividade, interatividade e heterogeneidade, porque quando trabalha com a matéria-prima do teatro, o ator, oriundo de diferentes lugares, com diversos referenciais de cultura, modos, crenças, Brook favorece a coletividade, caminhando através da diferença, em busca da comunicação em direção a uma “base comum”.
Para Peter Brook, “Shakespeare não faz concessões em nenhum dos extremos da escala humana. Seu teatro não vulgariza o espiritual para que o homem comum o assimile mais facilmente, nem rejeita o sujo, o feio, o violento, o absurdo e a gargalhada vulgar. Passa de um a outro sem esforço, momento a momento, enquanto numa grande investida vai intensificando a experiência, até que toda a resistência explode e a platéia se defronta subitamente com um instante de aguda percepção da textura da realidade.”[3], enxergo nessa colocação a capacidade, tão anunciada, que Shakespeare tem de comunicar com todos os universos sociais, entendo como conseqüência natural, a freqüência do autor na estrada artística que o encenador trilha. Esta mesma citação me remete a um outro ponto abordado através da metáfora de “O Peixe Dourado”, onde Brook se refere ao trabalho do ator, como sendo o mesmo de um pescador que tece a sua rede, o que vai determinar que tipo de peixe irá pescar, é o seu “esmero” a sua “intenção”. Construindo a textura da obra teatral o ator tem em mãos a responsabilidade de se comunicar e ser o interlocutor de toda uma equipe, idéias coletivas voltadas para uma coletividade e ao mesmo tempo é a idéia de cada artista envolvido com a obra, comunicando a cada indivíduo presente na platéia. Novamente eu volto a multicultura, pois seu princípio viabiliza a concretização de uma experiência coletiva preservando, não o individualismo, mas a individualidade. Ao falar a respeito da constatação, quando em viagem pela Europa, de uma falta de interesse do homem pelo teatro, pondera que a obra teatral precisa acompanhar a “pulsação de seu tempo”, então depreendo que “o momento presente” além de significar o instante da obra, também ganha o sentido do agora, o momento que estamos vivendo, é o nosso tempo, o nosso presente.
O que me faz refletir sobre o século no qual vivemos, onde encontrei na performance uma linguagem que sintoniza com nosso “momento presente”, e o uso de multimídia, se revela como um dos pontos chave, totalmente em acordo com esse sujeito contemporâneo interligado a todo o tempo. Não é de hoje, que Peter Brook, experimenta uma linguagem que não é cinema, mas também não pode ser considerado como teatro pelo simples princípio de que para o teatro acontecer é necessário, o contato entre as pessoas. Ao repensar a peça com essa finalidade, ele transmuta a linguagem teatral, tentando manter a idéia da encenação, o resultado estará imortalizado através da tecnologia, disponível em todo o mundo através dos DVD´s e também da internet. Mas o que me chama a atenção para este trabalho é que ao transmutar a linguagem teatral, será que Peter Brook não cria uma espécie de “performance”, da obra original?
Enquanto forma o ensaio de Brook, se revela livre, como um ensaio deve ser, ele foi escrito para ser falado, desenvolve seu discurso, da mesma forma que defende o espetáculo teatral: uma sucessão de momentos que levam a um momento de maior interesse. E nesse jogo, que ele estabelece com os ouvintes/leitores, ele revela um pouco sobre o teatro do qual está falando. Um homem da prática, que reflete o teatro e o vivencia, não percebo o que vem em primeiro lugar, se suas reflexões teóricas sendo postas em teste na prática, ou se sua prática é que produz as reflexões teóricas. É uma sucessão entre a experiência prática e reflexiva, uma após a outra, construindo a “textura” do seu fazer teatral.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BROOK, Peter. “A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
[1] “O Peixe Dourado” In. ___A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro; pág. 80.
[2] Idem; pág. 68.
[3] Idem; pág. 73
“O mundo de hoje nos oferece novas possibilidades. Este grande vocabulário humano pode ser enriquecido por elementos que nunca estiveram juntos no passado. Cada raça, cada cultura pode trazer sua própria palavra para uma frase que una a humanidade. Não há nada mais vital para a cultura teatral do mundo do que o trabalho conjunto de artistas de diferentes raças e origens.”
Peter Brook[1]
Como estudante de teatro, uma de minhas grandes inquietações, é a comunicação com a sociedade. De que forma no mundo em que vivo: interligado e ao mesmo tempo individualista, posso me expressar sem ter a sensação de que a minha tentativa é sem sentido ou inútil, como posso ter como meio de expressão artística uma arte que é prioritariamente coletiva num mundo individualista? Durante o percurso deste semestre, tive a oportunidade de entrar em contato com a estética de Kant, e começar a compreender a noção de Belo, e perceber o quanto minha idéia acerca do Sublime era equivocada, essas questões desenrolaram um verdadeiro novelo de idéias e reflexões acerca da arte, me senti impelida a entender aquele com quem eu quero falar. Ao perceber que não basta saber que o homem contemporâneo é individualista, fui em busca de compreender o processo pelo qual estamos passando ao longo deste “grande período histórico”, para tanto, se tornou essencial entender o sistema de comunicação de nosso tempo que está dentro do nosso quarto, a internet e seus reflexos no homem. Continuando o semestre, encontrei os readymades de Duchamp, com seu caráter libertador em torno do pensamento artístico, transpondo os limites da arte. Entrei em contato com o conflituoso Artaud, questionando as formas teatrais, exatamente no que se refere à capacidade ou a incapacidade de se comunicar com a “massa” e entre todas essas questões, a performance já se mostrava a mim como uma linguagem extremamente atual, por suas características conceituais; estreitamento entre arte e vida e uma decorrente interatividade, porém com características individualistas. E é nesse momento que encontro Peter Brook, considerado o maior encenador do século XX, mas que a mim se revelou ainda muito relevante hoje, no século XXI, pois ao ler “O Peixe Dourado”, ensaio que compõe seu livro “A Porta Aberta”, compreendi a comunicação como sendo sim, uma das grandes chaves da expressão teatral. Pelo fato de que, por mais que estejamos vivendo e nos relacionando intermediados pela tecnologia sempre haverá algo que liga as pessoas, é a necessidade do contato humano verdadeiro e no teatro esse contato é a condição para a arte acontecer, no “momento presente” que segundo Peter Brook é um mistério. É como se nesse momento da minha “errância teatral” eu me reencontrasse em Peter Brook, com seu multiculturalismo, completamente de acordo com a realidade de um mundo interligado, procurando se comunicar, na superfície de uma “base comum”. “[...] sentimento que conduz à paixão, paixão que transmite convicção, convicção que é o único instrumento espiritual capaz de fazer os homens se preocuparem uns com os outros.” [2].
Assim, parto da comunicação para tentar percorrer pelo ensaio de Brook, pois além de ser o ponto que converge os meus questionamentos, é também a questão que permeia todo o ensaio, quando fala na rede de pesca e o peixe dourado, ao citar Shakespeare e ao falar sobre o nosso tempo. Na busca pela comunicação, Peter Brook coloca que o “momento presente” compreende uma “experiência coletiva”, e para isso é necessário que haja uma “base comum” para que cada indivíduo na platéia possa compartilhar essa experiência que se dá em diversos níveis de compreensão. Refletindo sobre a experiência coletiva, percebo que o termo multiculturalismo termina por reunir em seu conceito, os sentidos de: momento, coletividade, interatividade e heterogeneidade, porque quando trabalha com a matéria-prima do teatro, o ator, oriundo de diferentes lugares, com diversos referenciais de cultura, modos, crenças, Brook favorece a coletividade, caminhando através da diferença, em busca da comunicação em direção a uma “base comum”.
Para Peter Brook, “Shakespeare não faz concessões em nenhum dos extremos da escala humana. Seu teatro não vulgariza o espiritual para que o homem comum o assimile mais facilmente, nem rejeita o sujo, o feio, o violento, o absurdo e a gargalhada vulgar. Passa de um a outro sem esforço, momento a momento, enquanto numa grande investida vai intensificando a experiência, até que toda a resistência explode e a platéia se defronta subitamente com um instante de aguda percepção da textura da realidade.”[3], enxergo nessa colocação a capacidade, tão anunciada, que Shakespeare tem de comunicar com todos os universos sociais, entendo como conseqüência natural, a freqüência do autor na estrada artística que o encenador trilha. Esta mesma citação me remete a um outro ponto abordado através da metáfora de “O Peixe Dourado”, onde Brook se refere ao trabalho do ator, como sendo o mesmo de um pescador que tece a sua rede, o que vai determinar que tipo de peixe irá pescar, é o seu “esmero” a sua “intenção”. Construindo a textura da obra teatral o ator tem em mãos a responsabilidade de se comunicar e ser o interlocutor de toda uma equipe, idéias coletivas voltadas para uma coletividade e ao mesmo tempo é a idéia de cada artista envolvido com a obra, comunicando a cada indivíduo presente na platéia. Novamente eu volto a multicultura, pois seu princípio viabiliza a concretização de uma experiência coletiva preservando, não o individualismo, mas a individualidade. Ao falar a respeito da constatação, quando em viagem pela Europa, de uma falta de interesse do homem pelo teatro, pondera que a obra teatral precisa acompanhar a “pulsação de seu tempo”, então depreendo que “o momento presente” além de significar o instante da obra, também ganha o sentido do agora, o momento que estamos vivendo, é o nosso tempo, o nosso presente.
O que me faz refletir sobre o século no qual vivemos, onde encontrei na performance uma linguagem que sintoniza com nosso “momento presente”, e o uso de multimídia, se revela como um dos pontos chave, totalmente em acordo com esse sujeito contemporâneo interligado a todo o tempo. Não é de hoje, que Peter Brook, experimenta uma linguagem que não é cinema, mas também não pode ser considerado como teatro pelo simples princípio de que para o teatro acontecer é necessário, o contato entre as pessoas. Ao repensar a peça com essa finalidade, ele transmuta a linguagem teatral, tentando manter a idéia da encenação, o resultado estará imortalizado através da tecnologia, disponível em todo o mundo através dos DVD´s e também da internet. Mas o que me chama a atenção para este trabalho é que ao transmutar a linguagem teatral, será que Peter Brook não cria uma espécie de “performance”, da obra original?
Enquanto forma o ensaio de Brook, se revela livre, como um ensaio deve ser, ele foi escrito para ser falado, desenvolve seu discurso, da mesma forma que defende o espetáculo teatral: uma sucessão de momentos que levam a um momento de maior interesse. E nesse jogo, que ele estabelece com os ouvintes/leitores, ele revela um pouco sobre o teatro do qual está falando. Um homem da prática, que reflete o teatro e o vivencia, não percebo o que vem em primeiro lugar, se suas reflexões teóricas sendo postas em teste na prática, ou se sua prática é que produz as reflexões teóricas. É uma sucessão entre a experiência prática e reflexiva, uma após a outra, construindo a “textura” do seu fazer teatral.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BROOK, Peter. “A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
[1] “O Peixe Dourado” In. ___A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro; pág. 80.
[2] Idem; pág. 68.
[3] Idem; pág. 73
2 comentários:
Muito boa sua reflexão.
Pense só em um detalhe: o teatro de Brook e a performance que você cita como sua preferência.
A história levou-o onde ele está, às vezes precisamos viver coisas mais densas para podermos transgredi-las e assim descobrir o novo, que com fé não se ama, ainda.
parabéns
Gustavo Paso
um viajante que parou por aqui...
http://gustavopaso.blogspot.com/
meu porto.
genial sua reflexão ! me deixou ainda mais atenta com PB, e quando li Porta Aberta pela segunda vez tudo parecia mais claro e totalmente coerente com sua analise. parabéns e obrigada, clareou as idéias de uma jovem caloura de cênicas !
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