UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)

17.6.08

A indiferença da academia pelo presente

A difícil crítica do presente

Por Beatriz Resende[i]


No último maio, chegou ao fim a importante revista argentina Punto de Vista, depois de 30 anos de crítica combativa, servindo como referência decisiva em diversos momentos da vida latino-americana. Sua editora, intelectual que procurou sempre juntar literatura e política, Beatriz Sarlo, afirma que a revista – que sempre foi absolutamente independente não só em suas posições como em suas formas de sustentação –não passa por nenhuma dificuldade econômica. Provavelmente seu fechamento precipitou-se pelas crises internas que vive desde que dela se afastou Carlos Altamirando e outros, em 2004. Mas aqui, o que vem ao caso notar, são algumas das afirmações de Sarlo no editorial do número 90, o último: “Final”. Aí aparecem as dificuldades representadas pelo que foi também o grande mérito da publicação por todos estes anos: a sintonia crítica com o presente, com o imediato. Foi assim que se ocupou da literatura argentina em relação com a história recente, o que, segundo Sarlo, hoje não é novidade, mas o foi nos anos 80, quando a abordagem se tornou, para ao grupo, uma chave interpretativa. Falaram de cidade e cultura quando o tema ainda não estava na moda e usaram como referência teórica Raymond Williams, Juan José Sauer e Sebald quando tais autores ainda não circulavam efetivamente no universo da crítica.
O que Beatriz Sarlo assegura ser decisivo para uma publicação dedicada à cultura e à política me parece ser decisivo para qualquer realização do exercício crítico. Diz a criadora da revista: “Pensé ( y pinso hasta hoy) que es preferible que uma revista se equivoque a que permanezca igual a si misma quando las cosas cambian o quando los temas se banalizan”.
Sem dúvida é este o risco e o fascínio, a possibilidade de equívoco ou de contribuição modificadora que a crítica literária corre quando se ocupa, sobretudo, de autores novos, alguns ainda em formação. É o risco de se deslocar do campo antes de mais nada seguro do cânone – não apenas para afirmá-lo, mas mesmo para questioná-lo – para uma zona de apostas, do perigoso jogo de tentar ler o futuro no presente que é se apresenta ao leitor iniciado. Porisso, talvez, a crítica acadêmica – justamente aquela que é praticada no espaço seguro das universidades, onde, convenhamos, temos hoje a liberdade de dizermos o que quisermos – pouco se ocupe no contemporâneo, do imediato. De que outros espaços dispomos, então? Revistas literárias, de crítica, de reflexão, praticamente inexistem. Aquelas que poderiam ter a segurança se estarem ligadas às universidades vivem dificuldades cotidianas que tornam sua publicação tão lenta que, ao circularem, aquele que aí visitar o novo, o que merece provocar o debate dentro da produção cultural do presente, já aparecerá atrasado. Ou ficará restrito ao pequeno âmbito de circulação a que a tiragem limitada obriga. Restam os suplementos dedicados à arte e cultura, uns pouco e heróicos sobreviventes, onde o número de caracteres destinados a cada colaborador diminui a cada número. É preciso sobreviver, competindo com os cadernos de automóveis, culinária e vinhos ou inutilidades, artigos bem mais vendáveis. E antes a culinária do que as celebridades!
A tendência crítica é ver o passado, seja pela memória seja pela história, como conflituoso, solicitando releituras ainda por serem feitas, e, por isso mesmo, fértil. E realmente o é. À produção literária do presente resta, o mais das vezes, a indiferença.
Não é apenas por acreditar na força da ficção brasileira contemporânea que penso que ela deve ser conhecida, lida, estudada, fruída, mas sim porque acredito que o jovem autor, aquele que busca uma experiência literária inovadora ou as vozes que apenas recentemente se apropriaram do texto literário – seja o que for que se entenda por literatura hoje –merecem e precisam do debate.
Se nos detivermos sobre a produção desta década, percebemos as múltiplas possibilidades que têm se afirmado com grande conpetência, mas também já podemos vislumbrar alguns impasses. O retorno dominante à narrativa da realidade já mostra as ciladas que oferece junto com o interesse imediato, a identificação fácil ou a possibilidade de um texto literário migrar com facilidade do livro para outras mídias mais rentáveis. O excesso de metalinguagem, a paródia que se revela com obviedade ameaçam mesmo autores de escrita sofisticada. A belle écriture do texto cansa tão rapidamente quanto a vulgaridade compulsivamente repetida. O texto de pouco fôlego é um intervalo curioso, mas perde a força se for uma constante. Por outro lado, a aposta em aspectos “profanadores”, para usar a expressão de Giorgio Agamben, muitas vezes cessa ao primeiro oferecimento de uma grande editora, aquela que se interessara justamente pelo valor da profanação.
Apontar impasses é a contribuição que a crítica pode oferecer. Para esse exercício político do fazer literário, no sentido que Jacques Rancière dá à política da literatura, como uma maneira de intervir na partilha do sensível que define o mundo que habitamos, é preciso, antes de tudo, correr o risco que falar do presente, do imediato, oferece.
Como sempre se perde e sempre se ganha alguma coisa a cada virada no mundo da cultura artística, se a crítica acadêmica perde espaço a cada recusa que um autor recebe ao exibir, quase como num gesto obsceno, seu volume de ensaios diante de um editor, outros espaços vêm surgindo no universo livre da web. Até agora, são principalmente os jovens (alguns já não tão jovens) autores que têm se utilizado desta ferramenta, para divulgar seus trabalhos, partilhar experiências e trocar críticas na formação de uma nova forma de “vida literária”. Por mais que o incomparável perfume do papel faça falta a nossos narizes viciados, vale a pena tentar ocupar esses novos espaços.No mínimo, os críticos logo terão respostas de algumas vozes arrogantes e outras carentes de diálogo, cairão na rede de discussões por vezes divertidas, receberão sugestões daquele mago da Amazon que lê nossas aspirações intelectuais mais íntimas e uma inevitável boa quota de spans.

[i] Beatriz Resende é coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, professora da UNIRIO e pesquisadora do CNPq.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sim, falar do presente, do imediato, enfurece quem está com a placenta psíquica ligada ao passado, ao estabelecido...Sabe, isso é sentido no espetáculo NOSSA VIDA COMO ELA É, uma peça que se passa nos comodos de um casarão em Santos, onde há uma interatividade com a platéia, de tal forma que esta acaba atuando, num jogo de perguntas e respostas com os personagens(cerca de quatro em cada um dos dez comodos, inclusive banheiro)..O erotismo das situações, criadas com base na vida dos atores e em Nelson Rodrigues e a ousadia da direção despertam ora admiração ora inveja nas mentes retrogradas..