UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)

2.7.08

PALAVRA, IMAGEM, NARRAÇÃO: A QUESTÃO DO TEATRO CONTEMPORANÊO

A busca do teatro contemporâneo passa pela por um enfrentamento ao texto monumental (em referência ao texto) tornando se matéria em mutação. É a desestabilização das obras cênicas. É como se o teatro assumisse a sua condição de “tornar as palavras visíveis”. Essa visão aumenta ao valor do texto escrito, com isso a questão do teatro passa a ser a construção da imagem cênica. Formar imagens para o que você vê e não consegue ilustrar. O texto passa a se construir por imagem. A imagem do visível. Aquilo que pulsa no texto. A palavra transformada em visão, visão como imagem do pensamento. A palavra torna-se mais um elemento sobre a possibilidade teatral.
O que acontece na verdade é a tensão da cena em relação a os estímulos que são produzidos pelo teatro, os estímulos visuais, rítmicos, a quebra dos diálogos, ações, conceito de personagem que enquadravam a arte teatral a certos padrões. Tal problematização pode ser identificada na narrativização do teatro pós-dramático.
O teatro se torna lugar de um ato de contar de peças. Encenadores como Brecht, que na estrutura de suas obras mostra uma nova perspectiva para ações dos personagens e da maneira que eles são percebidos ou mostrados.
Como descreve Picon- Vallin em A arte do teatro: entre a tradição e a vanguarda Meyerhold e a cena contemporânea:
“o palco um lugar de convenções, reuniões, fusões, acordos, conversas a distâncias, comunicações, montagens, interações de todas as artes que colaboram para a obra em comum, transformando-se, ou não, visando a uma criação de um tipo homogêneo ou dissonante, em ruptura”.
Em 1905 Craig já avistava “o teatro do futuro” e colocou sua idéia nos seguintes termos:


“(...) Eis os elementos com os quais o artista do teatro do futuro comporá as suas obras primas: com o movimento, o cenário, a voz. Não é simples?
Entendo por movimento o gesto e a dança, que são a prosa e a poesia do movimento.
Entendo por cenário tudo o que se vê, isto é, os figurinos, a iluminação e os cenários propriamente ditos.
Entendo por voz, as palavras ditas ou cantadas em oposição às palavras escritas; e as palavras para serem lidas e as palavras escritas para serem faladas são de duas ordens inteiramente distintas.”

Essa passa a ser a maneira de perceber a arte teatral e romper com a forma dramática. Além da fragmentação ,também passa a ser encenados o que a principio não foi produzido para o teatro: contos, poesias, crônicas, relatos bíblicos e pessoais, e documentos históricos, etc. A diluição das fronteiras do que é o fazer teatral. Essa temática nova funciona como um problema para antiga moldura formal.
Há também a transformação do espaço cênico. Que se liberta do palco e o teatro inteiro podem ser locais de encenação. Brecht embora ainda não exploda a palco italiano, usa o espaço como espécie de tribuna, o uso intenso do proscênio e a presença freqüente de atores narradores, e cartazes comentando a ação.
É esse o teatro do século XX, o que se apropria da poesia, a palavra não submetida ao dialogo e a busca por outros elementos que não deixem a palavra aquém dele. Ultrapassar a palavra que é a portadora de imagens. O teatro literário ganha um status porque contém indicações de espaços-temporais e lúdicos e auto suficientes e sobretudo é complexo. E para os encenadores talvez, os romances propiciem uma liberdade criadora.



Numa perspectiva de que o teatro dos anos 1990 retomou ao teatro literário para a criação do espetacular podemos citar como exemplo no teatro brasileiro contemporâneo o diretor que trabalha a narrativização dramatúrgica, Aderbal Freire-filho, diretor importante do cenário carioca. Não que nos seus trabalhos esteja à questão da possibilidade de narrar, e sim de reconstituir narrativamente os fatos do texto literário dando imagem quase unificada a encenação. Há uma predominância soberana da narrativa.
Para demolir a velha cena naturalista, abrindo inúmeras possibilidades ao realizador, Aderbal aconselha o uso de recursos poéticos na encenação:
- O trabalho do ator pode te mostrar tudo; o ator pode te levar à ilusão de estar em alto-mar, ao se abandonar o realismo. O romance-em-cena é uma forma de tornar o ator potente
Aderbal Freire-Filho define o romance-em-cena como "o jogo da ilusão do teatro levada ao paroxismo: o discurso em terceira pessoa e a ação em primeira. O passado e o presente se confundem. A adaptação é 'apenas' cênica, não se transforma o texto narrativo em texto dramático."
Há narração, mas não existe a figura do narrador: as narrações são ditas como falas pelos atores. O romance-em-cena não se trata de transformar a narração em diálogo ou rubricas, o ator que faz Hércules dirá em cena exatamente "- Fala imbecil! - gritou Hércules." - sim, ele mesmo, gritando, nos diz que grita. Desta forma, os personagens fazem em cena o que vai sendo dito deles - ou melhor, o que eles mesmos dizem deles. A rigor, não é correto afirmar que no romance-em-cena não há adaptação é o próprio Aderbal quem afirma que há adaptação, sim. Não a de transformar narração em diálogo. É o trabalho do diretor enquanto dramaturgo da encenação. Tudo é adaptação. O texto com que os atores começam a trabalhar não difere muito do que receberiam em qualquer outra peça, conta Aderbal:


- Quando trabalho “romance-em-cena” contrato um digitador que digita o livro todo, pra ter esse arquivo, e já separo as narrações e falas por personagens; os atores já o recebem mais ou menos como um texto teatral.
Até agora, Aderbal já utilizou a técnica do romance-em-cena em três espetáculos: A Mulher Carioca aos 22 Anos, de João de Minas (1994); O que Diz Molero, de Dinis Machado (2004); e O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho (2006).
Nessa peças e para focar em um exemplo a peça O púcaro búlgaro recorre à técnica do romance em cena, onde utiliza o conceito de narrador multiplicado, todos os atores narram e se revezam entre as personagens, sempre de forma mais ou menos citacional, já que os,já que os atores não se “tornam inteiramente” os personagens.
O texto de 1964 é de autoria de Campos de Carvalho possui uma experimentação formal, uma prosa fluente e descontínua. O autor que antes de morrer se declarou surrealista, é dentro desse conceito surreal que a texto flui como se fossem devaneios da mente do autor expressas pro uma corrente de palavras e sugestões numa maneira quase alucinógena.
A obra descreve a busca do protagonista que ao encontrar um antigo vaso búlgaro com asa (o tal púcaro) resolve organizar uma expedição à procura de confirmar a existência da Bulgária, algo que a realidade se duvida, não como incerteza geográfica, mas como percurso que se sabe, de saída que não se leva a lugar nenhum.
O autor reinventa certezas ao tratá-las como mentira, mostra o inverso pelo verso, e numa intensidade de palavras e de imagens verbais que sucedem com um fluxo livre de um pensamento febril.




Em sua montagem para o teatro, Aderbal freire-filho reflete essa continua superposição de palavra- imagens, e como não há uma narrativa linear, o diretor lança este fluxo como elemento impulsionador da encenação. Para isso investe na técnica que ele define como “romance-em-cena”, segundo o qual os textos literários são levados ao palco na íntegra, sem nenhuma intenção de explicar as aparentes desordens e incoerências do original.
A característica principal é a não-adaptação do texto. O diretor explora ao máximo as possibilidades teatrais do material literário. A razão é querer manter a sabor das palavras e as descrições dos personagens, nesse lugar que têm no original. Cabe aos personagens fazerem as narrações inclusive de si próprio. Há uma busca pela ilusão da cena, misto de verdade e mentira que dão um tom farsesco a representação.
O jogo cênico se organiza de forma exagerada das atuações, chegando a se confundir a teatralidade com a performance. Há uma tentativa da reconstituição dos fatos descritos na literatura que não pretende colocar em questão a função narrativa do teatro. O espetáculo rejeita o dramático-realista, próprio do teatro contemporâneo a ausência de drama e a afirmação da autonomia dos elementos espaciais e atuação.
Em Púcaro Búlgaro o diretor amplia a possibilidade da autonomia cênica e a radicalidade na encenação da palavra. A encenação segue a mesma pontuação absurda das frases que não buscam um sentido, mas adquirem seu sentido em conjunto, pelos seus desdobramentos sem nenhuma regra aparente.
Tudo na peça serve a essa agilidade: o cenário dentro da sua estrutura dispõe no palco de uma cama, uma banheira antiga e uma mesa com cadeiras. Estes elementos dinamizam a cena, todo espaço se transforma em palco. Não há bastidores e as paredes do palco se mostram nuas.


Aderbal mantém a linearidade sem deixar de permitir um discurso cênico múltiplo. Faz a literatura e a teatralidade justapostas para criar um sentido aberto que ao abrir ao espectador se faz completo. São as marcas da teatralidade contemporânea mostrando na sua estrutura e dando uma forma de teatro narrativa e fragmentada.





GABRIEL GARCIA

Um comentário:

efraimraborn disse...

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