por Dâmaris Grün
Este ensaio se propõe a entender o espaço vazio que o encenador inglês, Peter Brook, desenvolveu e discute ao longo de sua trajetória enquanto homem de teatro que é. A partir da problematização do palco italiano,palco que perdurou durante muitos anos na tradição teatral do ocidente, o século XX com seus encenadores arrojados e buscando o novo, trouxe outras formas de relação cena/platéia. Peter Brook vai a fundo nessa questão quando discute a essência do teatro como arte viva e exclusivamente do presente. O teatro acontece no aqui e agora e isso talvez seja uma das poucas certezas que temos a cerca dele, e que conquistamos ao longo dos anos. Quando vamos ao teatro queremos antes de tudo ver. A visão é primordial nessa arte. E o que vemos no espaço vazio que Brook desenvolve com sua companhia? É justamente aquilo que podemos ver o que nossa imaginação mais fortemente pode vislumbrar e compartilhar com os atores em cena. Há, aí, uma questão de cumplicidade, onde a participação da platéia em um espetáculo não reside no simples fato de “ser chamada em cena aberta”, mas de compartilhar as questões que o ator propõe, as imagens que quer materializar em cena. Nas palavras do próprio Brook “a participação do público consiste em ser cúmplice da ação e aceitar que uma garrafa de vidro se torne a Torre de Pisa”. Eis a questão crucial e que me instiga sempre que procuro algum espetáculo para assistir: a cumplicidade de ações entre os que fazem a cena e os que chegam para complementá-la, que é a minha relação direta ou indiretamente com o que vejo e sinto, das muitas maneiras que pode se concretizar essa relação. O encenador inglês propõe justamente esse jogo. Seu famoso espaço vazio é um lugar livre, aberto, onde todas as convenções são possíveis naquele espaço e tempo. Esse espaço livre é aquele que não possui as formas rígidas de antemão, e consequentemente é onde nós podemos exercitar nossa imaginação, onde ficamos mais atentos e participativos. Por que tudo em cena é visto e percebido de alguma maneira, por menor que seja a ação. Pois bem, o espaço vazio faz com que meu corpo se desloque para cena e eu procure coisas, visões onde aparentemente não há nada.
O que me proponho então, nesse ensaio, é fazer um resgate da encenação de LA TRAGEDIE DU HAMLET, que assisti no ano de 2002, ano que eu começava a fazer teatro e que vinha a constatar que nada sabia que o “buraco era muito mais em baixo”, nessa arte tão apaixonante. Não sabia patavina do encenador que fora ver. Só sabia que se tratava de Peter Brook, de um grande diretor de teatro do século XX, e como estudante de teatro deveria assistir aos espetáculos dele, (mesmo que na galeria do Carlos Gomes, sem ar condicionado, e com uma legenda acima do palco, tão desconfortável para o pescoço, vista e tudo o mais) enfim, que era algo imperdível. Pois bem, lá fui eu toda contente ver um grande espetáculo de teatro, um show internacional de fato. Quando entrei no teatro, a primeira coisa que percebi foi o tal espaço vazio. Apenas um tapete vermelho no chão, e instrumentos de percussão ao lado. Como assistir um Shakespeare, uma tragédia como Hamlet , sem um cenário qualquer? A minha dúvida foi sanada a primeira entrada do ator negro que fazia o príncipe da Dinamarca. Seu estado de alma era tão intenso, tão perturbador e verdadeiro, que aquilo que procurava materialmente de cenário, figurino ideal, se concretizava em sentimento e estado de um ator em relação com o tapete, em relação direta comigo. E isso que eu estava à milhas de distância, e no alto da galeria de um tradicional teatro de caixa preta. A ação era visível. A cumplicidade se fez em frente aos meus olhos, entrando por canais sensíveis que até então nunca tinha experimentado enquanto espectadora. Daí em diante, a conexão ator com sua vida interior, ator com seus colegas de cena, ator com seu público, me encantou e fez minha imaginação trabalhar no espaço “que nada tinha” mas muito dizia. Com essa experiência brookiana, entendi que TUDO em teatro é permitido, que todas as relações, convenções são capazes de concretizar-se em imagens, sentimentos, e palavras. Mesmo com o texto me escapando de vez em quando, estava difícil ler a legenda lenta e simultaneamente ver o que se passava em cena, o calor insuportável, e aqueles atores de realidades e contextos sociais, culturais tão diferentes do meu, vibrei com a cena dos coveiros fazendo de varas, pás, com uma doce Ofélia levemente perdida, com um Hamlet de preto e preto, que morre de uma forma nada convencional para minha tão limitada idéia de como seria uma morte numa tragédia shakespeariana. Durante mais ou menos três horas, estive no mesmo contexto proposto pela encenação, estive junto com eles numa relação de jogo intenso e vida diferente da vida cotidiana. Uma vida que é mais intensa e vívida que a rotineira, pois concentrada num tempo e espaço “limitado”.
Saí do teatro leve. Buscando questões que até então nem sequer ousava buscar. Buscando perceber que teatro era o que eu queria pra minha vida, que atriz queria ser. Saí com a certeza de que é preciso um teatro pautado nas relações entre os homens, que nada substitui o ser humano nessa arte feita com seres humanos. A partir daí, quis um teatro do presente momento, nem do passado nem do futuro, mas do acontecimento real do aqui e agora de fato e tão complexo.
UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)
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6.4.08
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