UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)

6.4.08

Recebi esse artigo por e-mail de um amigo. (estou postando uma parte porque é bem grande, mas posso enviar por e-mail para quem quiser) Achei muito pertinente, pois fala justamente da utilização na prática, da tecnologia e suas facilidades de propagação pela internet. É muito interessante perceber como: “a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo em que seu modo de existência”, é o que diz Walter Benjamin, em seu “ A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” O que me trouxe uma questão: o que esses jovens estão fazendo nas periferias da França, não seria se expressar artisticamente?

Periferias da França se armam de câmeras. Exasperados com os estereótipos sobre a periferia mostrados na televisão, jovens das chamadas "cités" tomam o poder midiático. Com humor ou sátira, ternura ou raiva, eles descrevem em vídeo seu cotidiano.

Pascale Krémer

Reformulemos os clichês. Na periferia, os jovens não rodam só sobre a cabeça, no estilo hip-hop. Eles também rodam filmes. Médias, curtas, supercurtas metragens de ficção, mas também documentários e reportagens.
Vendidos em forma de DVD, e principalmente divulgados de graça em sites da internet, que às vezes parecem verdadeiros canais de TV na Web, em videoblogs ou sites de compartilhamento como Dailymotion... Qualquer que seja a forma e o suporte final, com modos de organização variados (coletivo informal, associação, ateliê de centro cultural municipal), a criação de vídeo ferve nas periferias. Depois do esporte, da música, da moda, a idéia de que é possível se exprimir, ganhar um reconhecimento social -e por que não?, a vida- graças ao audiovisual toma corpo. Prova disso é a oferta atual de diversos festivais de curta-metragem na França. Como o Regards Jeunes sur la Cité, do Oroleis (estrutura afiliada à Liga do Ensino): 120 curtas sobre os bairros em
competição, "porque não podemos receber mais", explicam. "Mas há cada vez mais criações, cuja qualidade melhora a cada ano." Não é preciso procurar muito para encontrar os principais motivos desse entusiasmo. As ferramentas, câmeras digitais e software de edição se democratizaram, seus preços desabaram e sua utilização foi
simplificada ao extremo.

Morador de Paris é visto através de janela de supermercado, danificada por ataque. A força da imagem.
Outra evidência: os jovens das periferias, como todos os outros, pertencem à geração da imagem, onipresente em seu cotidiano - televisão, videogames, internet, celulares... Ela é sua forma de expressão natural, enquanto a escrita muitas vezes os desanima. É preciso, por exemplo, entender como o coletivo En Attendant Demain [Esperando o amanhã], da periferia de Bordeaux, concebe suas engraçadas minificções: "Nós contamos situações. Improvisamos, os diálogos surgem. Filmamos. Depois transcrevemos. E depois filmamos para valer. Porque se começarmos diretamente pelo texto, isso exclui alguns jovens".

Reconquista de uma linguagem que não é a do ensino tradicional, e da qual eles captaram toda a força. Mas também trabalhos com benefícios terapêuticos para sua própria imagem, afim de contrabalançar a veiculada nas mídias. A campanha presidencial de 2002, em que a temática da insegurança foi tão presente, e sobretudo os tumultos do outono de 2005 e depois 2007, deixaram marcas. Desilusão, desconfiança no melhor dos casos, desprezo muitas vezes, ou mesmo franca hostilidade: os jovens das "cités", que têm a impressão de serem incessantemente estigmatizados, não cultivam em relação à mídia, e principalmente a televisão, os melhores sentimentos. Um deles, hoje autor de reportagens, resume, lapidar e definitivo: "O jornalista é alguém que vai contar idiotices sobre os jovens, que os trai. Como o policial".

Exasperação.
Passando para trás da câmera, eles se reapropriam de sua imagem. Porque esperar uma evolução na qual não acreditam mais, quando podem criar suas próprias mídias alternativas? "Depois de 2005, dissemos chega, não deixaríamos mais que falassem da gente daquele jeito, de uma maneira prejudicial, violenta! Que a palavra devia vir de dentro", afirma Ernesto Oña, do coletivo En Attendant Demain. "Sabemos que hoje a imagem é o poder. A grande mídia. Daí a idéia de nos apoderarmos dela, de tomar o
controle. É um ato político. Uma espécie de golpe!" ...

Belos casos de sucesso individual.

Uma verdadeira criatividade artística entre os jovens. Em suma, tantos temas positivos que, sob o fogo da crítica, as próprias mídias clássicas começam a propor. Mas o que marca nessa produção de vídeo que deveria restabelecer uma espécie de verdade sobre a
periferia é o humor, o formidável sentido de autozombaria com o qual são tratadas as questões, aliás onipresentes, da discriminação e da exclusão social. Os jovens não se apresentam obrigatoriamente como vítimas da sociedade. A autocrítica domina. "O humor é o fundo do desespero. Rimos de nossas próprias tristezas porque se não rirmos enlouquecemos. É kafkiana a vida na periferia, é de enlouquecer! E depois é melhor fazer os outros rirem do que culpá-los, isso os toca mais: já os faz entrar em nosso universo. De repente, temos algo em comum", entusiasma-se um dos fundadores do
coletivo En Attendant Demain, que produz pequenos quadros cômicos da vida no bairro -onde os jovens aparecem sob uma luz pouco lisonjeira mas terrivelmente humana.

Humor e ironia
Rimos francamente desde o início desse documentário (De la Cité à la Campagne) de CitéArt, associação de Vigneux-sur-Seine (Essonne), quando os jovens instalados em um carro para ir filmar no interior percebem de repente que nenhum deles tem carteira de motorista. Ou diante do videoblog dos Shaolyn Gen-Zu (no site www.vsd.fr). Esses cinco "rappers" de Clichy-Montfermeil (Seine-Saint-Denis) se filmam em suas cansativas tribulações cotidianas para divulgar seu disco: seus atrasos patológicos
("Que horas são? Mas que horas são?", um deles se enerva, no escuro, fechado em um armário por seus colegas exasperados por tê-lo esperado demais). A venda do CD sobre caixotes no mercado. A turnê pelas Fnac da França para colocar seu disco ("Todas as Fnac nos dizem para procurar outra Fnac. Mas, bom, a gente não sossega!"). Seu show na Festa do l'Humanité, na entrada da qual eles não conseguem convencer ninguém de que são artistas esperados. E onde se pode almoçar um menu de ostras e lagostim. "32 euros! 32 euros por camarões?" Cúmulo da ironia: a televisão, que involuntariamente provocou todas essas novas vocações, começa a se interessar de perto por essa produção. Recentemente, a TF1 anunciou a intenção de procurar na periferia jovens roteiristas e diretores de talento. O Canal+ localizou a equipe do Em Attendant Demain e encomendou três ficções de 26 minutos, que transmitirá em junho. Um belo começo de revanche para a periferia.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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