UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)

3.5.08

ENSAIO VIRTUAL

Por Verônica Fernandes

Ao pensar no mundo contemporâneo, com sua comunicação em tempo real através dos recursos da rede mundial de computadores e todos os outros aparatos tecnológicos, cumprindo sua trajetória natural de acessibilidade, uma vez que, toda essa tecnologia só tem sentido estando disponível ao maior número de pessoas. É inevitável encontrar questões: quais as conseqüências da influência de tanta tecnologia no comportamento do homem, e no seu modo de enxergar suas relações? E como o teatro está traduzindo esse momento? Walter Benjamin em seu ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” pondera, como ao longo de grandes períodos históricos “a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência”, esta questão colocada entre os anos de 1935 e 1936, quando Benjamin analisa os processos técnicos de reprodução, parece ser passível de reflexão nos dias de hoje.
O homem contemporâneo se relaciona intermediado pela tecnologia, através de programas como o orkut, MSN e blogs, ele se expressa, convive, tornando suas relações e sua vida privada, cada vez mais pública. O velho diário trancado com um cadeadinho saiu de moda; não é de hoje, que as meninas descrevem suas ”experiências” e seus “sentimentos” na internet para qualquer um poder acompanhar. Esta é a forma atual de se comunicar e se relacionar, quem não está inserido nesse universo fica a parte do que acontece na “vida” de seu grupo. Mas será que o que as pessoas revelam a respeito de si mesmas é o que elas são? Ou o que tornam público é o que, no seu íntimo, gostariam de ser? Com esses recursos as pessoas podem criar o enredo de sua vida, omitindo um fato, aumentando outro e assim vão traçando um perfil “social” que acreditam ser mais bem aceito. Em outro trecho de seu ensaio Benjamin comenta sobre as diferenças na atuação do ator no teatro e no cinema, onde considera que no cinema o ator só representa a si mesmo, e que deste fato decorre que “... o astro de cinema impressiona seu público, sobretudo, porque parece abrir a todos, a partir do seu exemplo, a possibilidade de “fazer cinema”. A idéia de fazer reproduzir pela câmera exerce uma enorme atração sobre o homem moderno”, essa idéia parece se aplicar ajustadamente ao sujeito contemporâneo, prova disso é o grande sucesso do orkut, dos fotologs e é claro do You Tube.
Mas este homem, para fazer esse fluxo tecnológico funcionar precisa estar cada vez mais “funcionando” com a velocidade idêntica a da comunicação em tempo real, ou seria em tempo virtual? A pergunta parece justa, pois as fronteiras entre o real e o virtual são a todo o tempo, invadidas de modo a retirar do indivíduo sua noção de espaço, tempo e realidade. A tecnologia acelera o tempo útil de trabalho e torna o homem cada vez mais refém dessa nova velocidade, trazendo à sua vida pessoal o ritmo de sua vida profissional, quase ninguém consegue desligar seu aparelho de celular, nem no momento de lazer, quase nunca estamos desconectados de todo o restante. Será que esse ritmo cada vez mais frenético não estaria adormecendo no homem a faculdade de sentir? O que é verdadeiramente capaz, de fazer o sujeito parar por alguns instantes? Assistindo ao espetáculo “André” uma cena curiosa se desenrolou aos olhos do espectador, no instante em que a atriz Marcela Moura dizia ao personagem projetado no telão interpretado por Eduardo Moscovis “Ei! Eu estou falando com você.”, uma espectadora trava uma conversa ao celular, e escuta da atriz olhando a seus olhos “Ei! Eu estou falando com você.” O artista para se comunicar com o homem de hoje tem que enfrentar a sedução do ritmo imposto pelo nosso modo de vida, porém o artista, de modo algum, pode estar à parte dos fenômenos de seu tempo, e a busca por uma comunicação com o público se revela incessante em todos os campos.
Frequentemente no teatro, trabalhos que experimentam romper com as fronteiras de linguagem, fazem uso de recursos de mídia, como “André”, que utilizou câmera digital, telões e projetores, de modo a produzir imagens no instante da própria obra e reproduzir outras previamente produzidas, entrelaçando aquele espaço tradicionalmente conhecido pelo público como pertencente ao teatro, àqueles recursos de mídia tão familiares do homem, numa busca clara por um novo nível de comunicação. Mas será que levar esses recursos ao espaço teatral consegue de fato estabelecer uma comunicação com o homem de hoje? Há a possibilidade de o teatro romper com as fronteiras de linguagem invadindo a Mídia Virtual? A tecnologia apresenta-se como um instrumento importante para o teatro, está sendo usada como um espaço de interatividade, uma ferramenta de divulgação. Os artistas enviam mensagens através de seu orkut a centenas de pessoas, que retransmitem essas mensagens a outras centenas, criando uma teia de divulgação poderosa, em blogs, se comunicam, dialogam e trocam experiências. Se o mundo hoje se tornou virtual, se as relações estão cada vez mais impessoais então o artista na concepção de sua obra pode buscar uma interação com a sociedade. Hoje, todos podem construir o seu vídeo, a sua estória, saciando aquele desejo citado por Benjamim de “fazer cinema”, desta forma, com a velocidade virtual a identificação não é mais suficiente, é necessário para o homem assumir-se como parte da obra, interferir em tempo real. A indústria dos games, por exemplo, já percebeu esta necessidade e cada vez mais cria jogos de alta interatividade onde, estimulando agressivamente os sentidos transforma o jogador em personagem. De que forma em teatro, seria possível alcançar essa interatividade intermediada pela tecnologia, já que a obra teatral tem sua especificidade no instante em que se realiza, ali, diante do público, na troca entre o ator e o espectador? Da mesma maneira em que artistas hoje trocam entre si experiências atravessando fronteiras do espaço físico, a internet possibilitaria a construção da obra teatral, ir além da sala de ensaio, chegando através da rede ao futuro espectador, que num momento em que discutiria a obra estaria assumindo o papel de “artista-virtual”. Ao montar um diário do processo de criação, atores, diretor, autor e toda a equipe discutiriam na rede, apresentando projetos de cenário, figurino provocando a curiosidade e instigando à participação, trazendo a oportunidade de obterem em resposta do internauta, possibilidades não consideradas inicialmente pelos artistas. Desta forma, seria possível, assim como é feito em cena com o espectador, conduzir as reflexões do internauta acerca do objeto de discussão e observar ainda em processo os efeitos causados no sujeito, testando as possibilidades para o palco, obtendo respostas “em tempo real”, do mesmo modo, esse jogo estará suscitando reflexões no artista, é aí, que se completa a interatividade. E como estou falando em teatro, para que a obra se realize é necessária a materialidade, o instante onde não há a intermediação da tecnologia, existindo apenas ator – obra – platéia, após ter interagido durante o processo de criação, sentindo-se impelido a ver o objeto do qual participou, a obra transportaria o “artista-virtual” que assumiria seu papel de espectador- real, no instante da obra.

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Referências Bibliográficas:
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” In. “Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política” São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.

BENTES, Ivana. “O Cognitariado está chegando! Quê?”
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/ Seção: Diálogos Coluna: Capturas. Acesso em: 11 de março, 2008.

2 comentários:

Dâmaris Grün disse...

Avanços e mais avanços, o que acredito é que nada substitui essa materialidade mais pungente e ainda insubstituível: o ser humano, seu corpo em contato com outros corpos. Não nego a tecnologia, a internet, o vídeo tudo que pode entrar numa encenação( e o teatro permite um TUDO É POSSÍVEL), mas acho importante essa reflexão sobre o ser humano no presente da obra e seu lugar de especificidade no teatro.

Anônimo disse...

Nossa vc acabou com benjamin....pq nao vai ler de novo??É .... a "interatividade mediada pela tecnologia" tbm propicia qualquer um escrever qualquer asneira na rede...