O Espelho foi o primeiro filme de Tarkovski que assisti. O seu filme mais pessoal , totalmente fragmentado, misturando lembranças da infância do diretor e poesias escritas e lidas pelo seu pai, Arseni Tarkovski. A Chegada até o cineasta se deu num momento de crise, mais especificamente no mesmo momento de crise do drama burguês, num momento de leitura da tríade moderna: Ibsen, Strindberg e Tchekhov. Dessas leituras começaram a surgir ligações com as idéias que Tarkovski apresentava em seus filmes, mais especificamente com a obra do dramaturgo – também russo – Anton Tchekhov.
Lendo Tchekhov e assistindo Tarkovski a minha primeira afirmação foi que o segundo filma aquilo que o primeiro narra, que as imagens de Tarkovski são as lembranças de Irina, de Macha, de Olga, de Nina, e de todos os outros personagens tchekhovianos. O cotidiano presente na narrativa do dramaturgo também pode ser visto nos filmes do diretor. Cotidiano esse que no cinema encontra uma grande problemática, que implica no processo narrativo da obra filmada, uma vez que a narrativa no cinema pela qual o público se acostumou é aquela onde as coisas acontecem com uma rapidez muito grande, em segundos a história ganha novos contornos. No cinema de Tarkovski o que fica bastante perceptivel é que o tempo que o cineasta filma, a cena, poderia ser um acontecimento real, o cotidiano.
O cotidiano da vida dos personagens em Tcheckov é muitro semelhante a esse cotidiano filmado pelo cineasta. Cotidiano que está recheado de indagações e de questões contemporâneas, como a incomunicabilidade e a estagnação. Em Tchekhov o que está muito presente é essa estagnação, são as irmãs que querem voltar para Moscou e sempre relembram da cidade com nostalgia, como se a distancia impede de retornar a cidade, mas que esse dia logo chegará, mas enquanto não chega, elas ali permacem, e ali recordam, e ali estão estagnadas.
Problematizar esse nada em Tarkovski vem com uma fúria em afirmar que esse nada é tudo na obra no cineasta russo. Que a narrativa dramática de Tarkovski é um recorte da vida, como no teatro de Tchekhov que não é necessário peripécias para compreender que ali está cheio de questões relativas a vida. Ao se deparar com Tarkovski a impressão que fica é que nada acontece, uma vez que as intrigas são sutis. Em Stalker e Nostalgia, para o receptor acostumado com golpes de teatro atrás do outro, tem a impressão de que nada acontece.O Nada é uma questão niilista de ver o mundo e a inquietação de Tarkovski é tão grande que seus personagens lutam com as suas próprias limitações, podendo ter até uma diferença com os personagens de Tchehkov, que estão imobilizados.
Anton e Andrei foram dois nomes que se aproximaram enquanto eu lia as teorias de Szondi, o presente que é pretexto para a evocação do passado, que é a problematização em Tchekhov para o agravamento da crise do drama, segundo o teórico em seu Teoria do drama Moderno. Aponto essa afirmação como ponto central na obra de Tarkovski. O passado que surge nas discussões do presente, como em Stalker,onde os personagens relembram o mundo que não existe mais, e entram na zona proibida a fim de encontrar respostar que explique o porque desse isolamento total.
O recurso do flashback não é característico do drama absoluto, porém no cinema essa recordação do passado é muito utilizada para se contar uma história. Nos dois artistas há uma problematização. Em Tchekchov que já sinaliza a crise do drama com toda essa narrativização que foge do tempo presente, que precisa voltar ao passado para explicar toda a sua condição atual e em Tarkovski que a narrativa foge da estrutura cinematográfica, priorizando o cotidiano do personagem, aquilo que poderia ser chamado de vida real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário