UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)

4.5.08

Reflexões sobre Strindberg e o caso Isabella Nardoni

O inquérito sobre a tragédia que envolveu a menor Isabella Nardoni, assassinada – ao que tudo indica – pelos próprios pais, na cidade de São Paulo, parece estar chegando ao seu desfecho.
Infelizmente, ainda estamos distantes de conhecer as verdadeiras razões que levaram pai e madrasta a um ato tão descabido como este que, supostamente, cometeram. Será que existe alguma razão? Ou será que não, eles mataram e pronto? Será que, nos dias de hoje, seríamos complacentes com Medeia? Entenderíamos suas motivações? Divagando sobre a estética da “falta de sentido” que move a dramaturgia de alguns encenadores, ou cineastas, na realização de seus filmes, ouço sempre os mesmos e negativos comentários com relação à recepção de seus trabalhos: “é chato, não se entende nada, incompreensível, não explica, sem pé e sem cabeça” etc. Pergunto: Que explicação tem um pai que joga sua própria filha da janela do sexto andar de seu prédio?
Na verdade, comentei este fato somente para falar de Auguste Strinderg. O dramaturgo norueguês escreveu, no ano de 1898, a obra Brott och Brott, traduzida em português como Crimes e Crimes, por Jacó Guinsburg, talvez um dos textos menos conhecidos do autor no Brasil. Eu, a caminho da faculdade, como um insight, lembrei que o tema tratado pelo autor, no espetáculo, é pertinente de discussão para este momento atual, pois o drama gira em torno de um ato brutal contra um ser humano indefeso, cada vez mais comum em nossa sociedade.
O enredo: Maurice – autor teatral – conhece Henriette – artista plástica – e namorada de seu melhor amigo, Adolphe – pintor – horas antes da estréia de seu mais novo espetáculo. Os dois apaixonam-se ardorosamente. A peça é um sucesso estrondoso e Maurice sente-se um vitorioso acima do bem e do mal. Em comemoração ao sucesso de seu espetáculo, Henriette e Maurice, sem Adolphe, decidem partir da França, eliminando tudo – e todos – que atrapalham seus caminhos. Seu único empecilho é Marion, sua filha de cinco anos de idade (idade de Isabella Nardoni quando morta), a quem ama profundamente e fruto de um envolvimento com Jeanne, mulher humilde e de classe social inferior. Marion é morta e o casal de enamorados torna-se os principais suspeitos do assassinato da menor. A paixão que possuíam os dois amantes, num primeiro momento, cede espaço ao ódio e a uma série de acusações que tentam incriminar um e outro.
Sem ser prolixo, o que Strindberg discute em seu texto é a potencialidade assassina que reside em cada um de nós, pobres seres humanos, tornando-nos, em algum momento de nossas vidas, criminosos impunes, como enuncia a personagem Henriette, “culpados de certo tipo de ato que incorreria na lei, se (fôssemos) descobertos”, e como cada um se penitencia deste tipo de crime, praticado conscientemente ou não. Se Maurice desejou realmente a morte de sua filha querida, no segundo ato do espetáculo, em troca de uma vida cheia de aventuras, ao lado de sua amante, ele carregará este peso na consciência para sempre, pois, para Strindberg, “é o pior e mais severo juiz que nós temos, quando estamos contra nós próprios”.
No final, descobre-se que nem Maurice, nem Henriette são os verdadeiros assassinos de Marion. Esta morreu doente. Ressurgindo do inferno pelo qual vagou, junto com sua ex-companheira, durante dois dias apenas – dias que duraram uma eternidade no entender do personagem – o autor, no texto, aos poucos se dá conta da desventura pela qual viveu, pretendendo arcar, daquele momento em diante, com a responsabilidade de seus pensamentos, palavras e atitudes.
Ao que tudo indica, o desfecho do caso Isabella, em São Paulo, século XXI, Brasil, será bem diferente daquele que Strindberg definiu para seus protagonistas, no final do século XIX, Europa. Resta saber qual penitência terão os responsáveis deste crime, que abalou a opinião pública brasileira, neste princípio de ano.

3 comentários:

Raphael Cassou disse...

A vida imitando a arte, sempre. Muito interessante o texto. Acho muito legal a capacidade de se conseguir agrupar assuntos da atualidade com o nosso metiê.
Valeu PP.

Pedro disse...

ERRATA: Auguste Strindberg nasceu em Estocolmo, na Suécia, não na Noruega. Corrigido o equívoco.

Anônimo disse...

O triunfo da hipocrisia
25/04/2008 15:52:28

Nirlando Beirão



A viciosa injunção de uma mídia espetaculosa com o populacho
ressentido ? na síndrome linchadora do ?foram eles? ? teria,
na Inglaterra, efeito contrário ao desejado por aqueles que, aqui no
propalado berço da cordialidade morena, querem fazer justiça com as
próprias garras.

Acata, a processualística britânica, uma espécie de Fator PO ? de
public opinion. Se há exacerbação justiceira de ânimos, se os
veículos de comunicação extrapolam no seu pre-julgamento
arbitrário,
o juiz certamente vai administrar, junto ao júri popular, um jeito de
contrabalançar a pancadaria. É dos usos e costumes dos tribunais da
Inglaterra: quanto mais baterem no acusado, mais existe a possibilidade
? ou o risco ? de que a balança penda a seu favor.

Até os tablóides de escândalos e a tevê de excessos acabam se
comportando com razoável moderação, ainda que estejam diante de um
suspeito de crime hediondo.

Como a tevê comercial brasileira tem compromisso com o ibope, nunca com
o senso de justiça, é a antítese da prudência britânica o que se
assiste aqui e agora, na selvageria carnavalesca dos balofos xerifes
vespertinos ? e não apenas deles, mas também do telejornalismo que
se diz asseadinho.

Sai de cena o modelo Reino Unido de direito e eqüidade, entram os
instintos bárbaros da lei-e-ordem do Deep South americano ? aqueles
estranhos frutos chamuscados pendendo das árvores, como cantava Billy
Holliday em sua canção dilacerada.

Não é por acaso que, assim como acontecia no Alabama e em Louisiana
até poucas décadas AO (isto é, Antes de Obama), os videojusticeiros
made in Brasil exibam pose moral de pregadores, abençoando, com timbre
de evangelistas, a barbárie incontida de uma turba que se desrecalca
comum crime que subiu um degrau no patamar social. Quem é que ousa
dizer que, naquela celebração hormonal dos sans-coulottes, estimulada
pelas câmeras e pelos spots, há um pingo de afeto pela vítima?

Está todo mundo mentindo, nessa história de hipocrisias turbinadas a
show off (faço uma ressalva: a polícia parece estar sinceramente
buscando a verdade). Não é segredo para ninguém que a tevê sofre a
tentação da mentira ? e aí está a emissor-padrão para não nos
deixar, perdão, mentir.

Mas se a palavra televisiva, entoada com seriedade bem escanhoada,
simula, trapaceia, manipula, a imagem não. Vocês viram o depoimento
do casal acusado ao Fantástico. O que é aquilo, gente?

Experts em fisiognomonia perscrutraram-lhes os gestos, o choro, a
postura. Chegaram a mil conclusões. Faltou dizer: a dupla não é bem
aquinhoada de inteligência. Ele, então, tem o cérebro de ervilha.
Pode alegar que não entendeu o que fez.

carta capital